Todos os dias, mulheres ainda vivenciam realidades que envolvem dupla jornada de trabalho, barreiras na construção da autonomia e políticas limitadas na luta por igualdade.
Termos como ‘protagonismo feminino’ e ‘autonomia costumam ganhar as vitrines no dia 8 de Março, data em que é comemorado o Dia Internacional da Mulher. No entanto, a busca pela prática do que de fato significam esses conceitos vai além de uma data comemorativa. Todos os dias, mulheres ainda vivenciam realidades que envolvem dupla jornada de trabalho, desigualdades salariais, barreiras na construção da autonomia, e políticas limitadas na luta por equidade de gênero.
Na escalada em busca desse reconhecimento, as mulheres carregam na bagagem histórias de lutas, conquistas, e resiliência para enfrentar as diferenças. A motorista de transporte por aplicativo, Liliane Medeiros Jordão é um exemplo de que às vezes a discriminação e a desigualdade podem acontecer pelo simples fato de ser mulher.
“Já fiz trabalhos de ajudante de pedreiro, carreguei tijolos. Trabalhei na pesca, no cultivo. Fui agente de trânsito, e para muitos, isso é considerado trabalho de homem. Fiz frete, carreguei móveis pesados. Nem sempre tive um salário à minha altura. Muitos homens achavam que eu não conseguiria fazer determinados serviços, mas eu consegui. Ser mulher nunca me fez ter menos capacidade”, contou.
Liliane Medeiros já sofreu preconceitos por ser mulher e estar em uma profissão tida como masculina. — Foto: Arquivo Pessoal
Liliane é mãe de três filhos e contou, ainda, que nunca foi fácil conciliar a rotina entre trabalho e família. Os filhos de Liliane agora são adultos, todos formados, mas os desafios que foram enfrentados por ela, 20 anos atrás, ainda continuam vivos na sociedade.
Desvantagem
Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgada na quinta-feira (4), mostrou que as mulheres trabalham mais de 5,2 horas do que os homens, com os afazeres domésticos e cuidados de pessoas.
Segundo o órgão, mesmo trabalhando, o maior envolvimento das mulheres em atividades de cuidados e afazeres domésticos tende a impactar na forma de inserção delas no mercado de trabalho, que é marcada pela necessidade de conciliação da dupla jornada entre trabalho remunerado e não-remunerado.
Na análise da socióloga, professora e ativista da causa feminista, Marklize Siqueira, a mulher ocupa uma posição de desvantagem não só no mercado de trabalho, mas trata-se de uma condição histórica, que precisa da aplicação de políticas efetivas para ser mudada.
“Parece que ninguém está, de fato, preocupado com políticas efetivas de proteção social para as mulheres. O próprio mercado de trabalho ainda não criou condições efetivas para que as mulheres possam avançar nisso. Falta incentivo para mulheres mães e LGBTQIA+ no mercado de trabalho. Além disso, falta mudarmos um certo comportamento machista em instituições que ainda colocam em dúvida a capacidade das mulheres em determinadas funções”, comentou.
Essa desvantagem é lembrada no Dia Internacional da Mulher em várias sociedades, pois as origens histórica da data estão relacionadas a uma raiz trabalhista. O dia 8 de Março é lembrado pelo incêndio ocorrido em 25 de março de 1911, na Companhia de Blusas Triangle, em Nova York, quando 146 trabalhadores morreram, sendo 125 mulheres e 21 homens (a maioria judeus).
No momento do incêndio, as portas da fábrica estavam trancadas, isso porque alguns proprietários de fábricas da época, incluindo a Triangle, trancavam seus funcionários durante o expediente como forma de conter motins e greves. As causas do incêndio foram apontadas, na época, como as péssimas instalações elétricas e uma quantidade de tecido no local, que serviu de combustível para o fogo.
Mulheres trabalham na linha de produção da fábrica de armamentos Brewery Road Works, em 1916, na Inglaterra — Foto: Reuters/Archive of Modern Conflict London
Apesar do trágico episódio, há registros anteriores à data, à reivindicação de mulheres para que houvesse um momento dedicado às suas causas dentro do movimento de trabalhadores. Um marco foi o dia 26 de fevereiro de 1909, em Nova York, quando cerca de 15 mil mulheres marcharam nas ruas da cidade por melhores condições de trabalho – na época, as jornadas para elas poderiam chegar a 16h por dia, seis dias por semana.
Na Europa, também crescia o movimento nas fábricas. Em agosto de 1910, a alemã Clara Zetkin propôs em reunião da Segunda Conferência Internacional das Mulheres Socialistas a criação de uma jornada de manifestações das mulheres pela igualdade de direitos, mas não ficou definida uma data para isso.
Protagonismo
O Dia 8 de Março é marcado pela luta feminista, por melhores condições de vida, e, acima de tudo, pelo protagonismo das mulheres.
A historiadora e membro do Coletivo Banzeiro Feminista Aline Ribeiro disse ao G1 que a lembrança da data não pode perder o sentido. Segundo ela, é preciso comemorar a existência e resistência, impedindo que a sociedade seja “violentadora das identidades, principalmente para as mulheres”.
“Somos uma classe, um grupo diverso, mas com pautas comuns. A nossa luta ultrapassa a luta pela sobrevivência. E que a gente aprenda a se reconhecer na outra mulher. Não adianta lutar por si, a nossa existência não pode se encerrar nisso. Precisamos lutar por uma sociedade na qual a mulher não esteja sujeita a enfrentar as piores colocações”, destacou.
Autonomia
Na Associação de Mulheres Indígenas Sateré Mawé, localizada na Zona Oeste de Manaus, mais de 50 mulheres indígenas trabalham em busca de autonomia financeira e reconhecimento da classe. Elas têm no artesanato, o principal sustento, produzem bijuterias com frutos naturais como caroços de tucumãs e cupuaçu, além de grafismo em máscaras e camisas.
Segundo a indígena de etnia sateré maué e coordenadora da instituição não governamental, Regina Satere Mawe, a associação foi criada há mais de 30 anos, com o intuito de defender o direito das mulheres indígenas e promover renda e sustentabilidade por meio do artesanato.
Para ela, o maior desafio está nas desigualdades sociais e de oportunidades, que existem entre homens e mulheres.
“Estamos em desvantagem e sempre estivemos. Sinto falta de políticas sobre direitos das mulheres, indígenas, negras. Para ter o lugar de mulher, indígena e trabalhadora na sociedade, tenho que levantar a cabeça e pegar meu artesanato, mantendo minha cultura, sem me importar com o que a sociedade pensa sobre ser mulher”, disse.
De modo geral, as histórias e os caminhos dessas mulheres, sejam indígenas, ativistas, trabalhadoras, pesquisadoras, se encontram em pontos em comum que ajudam a construir a autonomia de cada uma delas, assim como o protagonismo necessários.
Por Rebeca Beatriz, G1 AM